Anna Araújo

O fenômeno do “Morango do Amor”: uma análise psicológica sobre o porquê ele virou febre

Morango do amor

Um doce de comer com os olhos! Nos últimos dias, tornou-se impossível navegar pelas redes sociais, sem se deparar com vídeos, fotos e relatos de pessoas experimentando o agora famosinho, morango do amor. Um simples morango envolto em uma casquinha de açúcar vermelho, muitas vezes coberto com brigadeiro de leite ninho. Em poucos dias ele se transformou em uma febre nacional. Uma mulher passou mal de ansiedade ao esperar na fila da doceria, comerciantes não conseguiram dar conta da demanda de tantos pedidos… 

Mas por que algo tão simples despertou tanto desejo, engajamento e curiosidade? A resposta está muito além da vontade de comer um docinho. Aqui eu tento propor uma análise psicológica sobre os múltiplos fatores que explicam o sucesso do “morango do amor”, explorando conceitos da psicologia social, neurociência, psicanálise, marketing emocional e comportamento humano.

1. Estímulo visual, sistema límbico e dopamina: uma explicação neurocientífica

O morango do amor é visualmente atrativo: morangos grandes com brigadeiro de leite ninho, casquinha de açúcar brilhante em um vermelho cintilante. Essa estética ativa diretamente os circuitos cerebrais que irei te explicar agora!

Quando vemos um objeto que chama a nossa atenção, a luz refletida daquele objeto alcança a nossa retina, que fica localizada atrás do nosso olho. Logo em seguida, a retina transforma essa luz em sinais elétricos enviados para o córtex visual primário, no lobo occipital (região posterior do nosso cérebro). Com isso, o cérebro irá processar essa informação, como tamanho, forma, cor e movimento e enviar para as demais áreas, responsáveis por atribuir valor ou significado emocional. 

Uma dessas áreas se chama sistema límbico: o centro das emoções. Ou seja, essa região dispara com significados do morango do amor: lindo, apetitoso, atraente e assim por diante. Uma pequena estrutura que faz parte do sistema límbico é a amígdala. Ela é responsável por emoções como prazer, desejo, medo, etc. Outra estrutura que faz parte do sistema límbico é o hipocampo, responsável pelas memórias. Ou seja: esse morango do amor me lembra a maçã do amor, um doce que eu comia quando criança. E por fim, outra estrutura desse sistema é ativada, que é o córtex pré-frontal ventromedial, responsável pela tomada de decisão emocional e impulsiva. Ou seja: preciso experimentar esse morango aparentemente delicioso!

Outro sistema também entra em ação que é o nucleo accubens, responsável pelo sistema de recompensa. Quando um estímulo visual é percebido como desejável, o cérebro libera dopamina, neurotransmissor do prazer. Estímulos visuais de alto apelo (comida, rostos bonitos, cenas eróticas, produtos de desejo) aumentam a dopamina nesta região. 

Outra área também participa desse processo que é o cortex orbitofrontal, que avalia o valor daquele estimulo, o considera desejável e só com isso já antecipa a satisfação e o sentimento de prazer.

Todos os hormonios envolvidos no circuito do morango do amor:

Dopamina: associada ao desejo, antecipação e motivação.

Serotonina: relacionada ao bem-estar, modula impulsividade.

Oxitocina: se o estímulo visual estiver ligado ao afeto ou romantismo (ex: “morango do amor”), pode reforçar o vínculo emocional.

Endorfina: após o consumo, gera sensação de prazer e relaxamento.

Adrenalina e noradrenalina: em contextos de excitação ou surpresa visual (ex: um doce muito bonito), podem ativar o estado de alerta e excitação.

2. A psicologia do coletivo: o desejo como contágio social

De acordo com a teoria do desejo mimético, proposta pelo filósofo e teórico René Girard, nós não desejamos as coisas de forma isolada: aprendemos a desejar o que vemos os outros desejando. Em outras palavras, o desejo é contagioso. Quando uma figura pública, um influenciador digital ou um grupo próximo compartilha algo que gera prazer, isso cria uma espécie de “efeito manada”, onde o objeto em questão se torna símbolo de pertencimento e conexão.

No caso do morango do amor, o que começou com alguns vídeos virais se transformou em um verdadeiro fenômeno coletivo. O “todo mundo está provando” funciona como um gatilho psicológico que desperta o desejo de se sentir incluído, de participar da experiência e não ficar “de fora” da tendência – um comportamento amplamente estudado na psicologia social.

3. Nostalgia afetiva e memória emocional

O morango do amor, assim como sua versão original, a maçã do amor, carrega consigo uma carga simbólica ligada à infância, ao romantismo e à ludicidade. Para muitos adultos, a imagem do morango envolto em açúcar remete a memórias afetivas da infância, de festas juninas, de momentos felizes em família.

A psicologia cognitiva nos mostra que memórias emocionais são mais duradouras e têm maior impacto sobre o comportamento do que memórias neutras. Do ponto de vista das neurociências, é porque o hipocampo fica localizado próximo da amígdala. 

A nostalgia, por sua vez, tem uma função adaptativa: ela reduz a sensação de solidão, reforça a identidade e resgata sentimentos de pertencimento. O consumo do morango do amor, portanto, não é apenas físico, mas simbólico: ao saboreá-lo, muitos estão, inconscientemente, revivendo lembranças afetivas positivas.

4. Recompensa imediata e o sistema de prazer

Em tempos de estresse, crises econômicas e instabilidade emocional, as pessoas buscam experiências que ofereçam recompensas rápidas e acessíveis. O morango do amor cumpre esse papel com excelência: por um preço baixo, entrega uma experiência sensorial completa – visualmente encantadora, olfativamente doce, tátil (a crocância do açúcar), gustativa (a combinação de acidez e doçura) e emocional.

Segundo a psicologia comportamental, recompensas imediatas aumentam a probabilidade de repetição de um comportamento. Portanto, uma vez que a pessoa experimenta o morango do amor e tem uma sensação positiva associada, é mais provável que queira repetir a experiência ou indicá-la a outros – reforçando o ciclo de reforço positivo e viralização do produto.

5. O desejo de documentar a experiência: consumo como performance

Vivemos na era do “consumo performático”, onde as experiências só parecem completas quando são registradas e compartilhadas nas redes sociais. Nesse contexto, o morango do amor se torna mais do que um alimento – ele vira conteúdo. Ele é “Instagramável”, “TikTokável” e visualmente envolvente, o que o transforma em um produto ideal para gerar engajamento nas plataformas digitais.

Segundo Bauman, na sociedade líquida, o consumo é muitas vezes orientado menos pela necessidade e mais pelo valor simbólico. Ao postar uma foto ou vídeo provando o morango do amor, o sujeito comunica pertencimento à tendência, transmite uma imagem de leveza, doçura, afeto e até mesmo romantismo – valores muito desejados em tempos de dureza emocional.

6. A simbologia do nome: “morango do amor”

O nome não é apenas um detalhe comercial – ele carrega uma poderosa carga simbólica. O uso da palavra “amor” ativa automaticamente associações positivas no cérebro humano. O amor é o afeto universal, o sentimento mais desejado, cantado, encenado, buscado. O morango, por sua vez, é o fruto que simboliza sensualidade, paixão e doçura.

Ao unir os dois termos, o produto se torna uma metáfora: ao consumir o “morango do amor”, o sujeito está, inconscientemente, se oferecendo um gesto de afeto, de cuidado, de romantismo consigo mesmo ou com o outro. Em tempos de autocuidado e valorização do prazer, esse gesto simbólico ganha força.

7. A economia da felicidade: pequenos luxos acessíveis

Em meio ao aumento do custo de vida e à incerteza financeira, muitos indivíduos recorrem aos chamados pequenos luxos acessíveis – pequenas indulgências que não comprometem o orçamento, mas geram uma sensação de conforto e prazer. O morango do amor se encaixa perfeitamente nesse perfil: é bonito, gostoso, satisfaz a vontade de comer doce e ainda proporciona status social (via redes sociais), tudo isso por um preço simbólico.

A psicologia econômica aponta que esses pequenos gastos são muitas vezes mais eficazes na sensação de bem-estar do que grandes compras, justamente porque oferecem gratificação imediata, baixo risco e retorno emocional alto.

8. Rituais e sensorialidade: um alimento de experiência

O morango do amor ativa todos os sentidos. Há um pequeno ritual envolvido: tirar a embalagem, segurar pelo palito, morder a casquinha crocante e sentir a acidez da fruta contrastando com a doçura do açúcar ou do chocolate. Esse ritual, ainda que simples, transforma o ato de comer em uma experiência sensorial completa – algo altamente valorizado pela psicologia positiva e pelas abordagens terapêuticas focadas no mindfulness.

Comer algo assim com presença e entrega é, muitas vezes, uma forma de pausa na rotina, um momento de grounding, de conexão com o aqui e agora. Não se trata apenas de matar a fome – trata-se de sentir, saborear, estar presente. E isso é terapêutico.

9. Cultura do “merecimento” e reforço de autoestima

Vivemos uma cultura onde o discurso do autocuidado e do “eu mereço” está cada vez mais forte. O morango do amor entra como uma recompensa emocional: após um dia difícil, uma conquista, uma pausa na rotina, ele é consumido como um agrado, um mimo, um carinho que reforça a autoestima.

Esse comportamento tem raízes na teoria da autorregulação emocional, onde ações de autocuidado e prazer são utilizadas para modular o estresse e restaurar o equilíbrio emocional. O morango do amor funciona, nesse contexto, como um reforçador emocional positivo.

10. Conclusão: o doce sabor da psicologia

O sucesso do morango do amor não é aleatório nem superficial. Ele é fruto de uma complexa rede de fatores psicológicos que se entrelaçam e se reforçam: apelo visual, nostalgia afetiva, desejo coletivo, nome simbólico, gratificação sensorial, acessibilidade econômica e a busca emocional por prazer, conforto e pertencimento.

Por trás de uma simples fruta coberta de açúcar, existe uma narrativa afetiva poderosa – uma espécie de conto comestível sobre desejo, beleza, prazer e amor. E talvez seja justamente isso que explique por que, diante de um mundo cada vez mais amargo, tanta gente esteja buscando o doce, visual e encantador morango do amor.

Bases científicas

  • Berridge & Robinson (1998): propuseram a distinção entre “wanting” (desejar) e “liking” (gostar), e como a dopamina está mais ligada ao primeiro.
  • Zald et al. (2002): mostraram que imagens de alimentos ativam fortemente o núcleo accumbens.
  • Kringelbach (2005): destacou o papel do córtex orbitofrontal na avaliação do prazer visual e gustativo.
  • Rolls (2004): identificou que a combinação de estímulos visuais + memória + prazer é crítica para comportamento alimentar.

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Anna Araújo

Psi, professora e supervisora | Mestra em Cognição e Neurociências, UnB

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